28/02/2012

Interacção social – O modelo dramatúrgico

Na sua qualidade de actuantes, os indivíduos preocupam-se em manter a impressão de que cumprem as numerosas normas pelas quais são julgados os seus actos. Como essas normas são inúmeras e omnipresentes, os actores vivem muito mais do que se poderia pensar num universo moral (constrangidos pela sociedade). Mas como actuantes, os indivíduos não estão preocupados com o problema moral de cumprir essas normas, mas com o problema amoral de construir a impressão convincente (gestão de impressões) de que satisfazem as ditas normas (...) Enquanto actuantes somos comerciantes da moralidade, escondidos por trás das máscaras (Goffman).

A Representação do Eu na Vida Quotidiana (The Presentation of Self in Everyday Life, (1969), no original em inglês) é, talvez, o mais importante livro de Erving Goffman (1922-1982). Suas pesquisas incidiram sobre as interacções face-a-face da vida quotidiana, construindo de um modo muito característico os seus recursos conceptuais, baseando-se em metáforas teatrais (palco, público, papel, bastidores, mise en scène, etc.).

Prioritariamente interessou-se pelos encontros correntes da vida quotidiana, por aquilo a que chamou a ordem de interacção, apreendida como um domínio da vida social analisável de forma autónoma. O conceito de papel social, por exemplo, tem origem na cena teatral. Ser professor consiste em actuar de um modo específico em relação aos alunos. Goffman concebe a vida social como se fosse algo que vai sendo representado num palco por actores – ou em muitos palcos, já que os nossos actos dependem dos papéis que desempenhamos em cada momento. Esta abordagem é por vezes apelidada de modelo dramatúrgico. As pessoas são sensíveis à forma como são vistas pelos outros, usando muitas formas de gestão de impressões para assegurar que os outros reagem da forma desejada. Embora isto possa ser feito de forma consciente e premeditada, está usualmente entre as coisas que fazemos sem disso termos consciência. Por exemplo, no emprego as pessoas sentem-se obrigadas a vestir-se – ou são mesmo obrigadas a vestir-se – mais formalmente do que quando se encontram com os amigos.

Goffman sugeriu que grande parte da vida pode ser divida em regiões da frente e da retaguarda. As regiões da frente, ou fachada, são situações sociais ou encontros em que os indivíduos desempenham papéis formais – são “actores em cena”. O trabalho, a aula, o julgamento são situações onde mesmo que dois indivíduos se detestem mutuamente, são obrigados a forjar uma imagem apresentável perante os outros.

As regiões da retaguarda ou bastidores são onde armazenamos os adereços e os indivíduos se preparam para a interacção em contextos mais formais. Analogamente com os bastidores de um teatro, as pessoas podem descansar e libertar as emoções e estilos de comportamento que ocultam enquanto estão no palco. Os bastidores permitem “profanidade, comentários livres de índole sexual, beliscões, uso de roupas informais, posturas desengonçadas, utilização de dialectos e gírias, murmúrios e gritos, palavras agressivas e gracejos, desconsideração pelos outros em actos menores mas potencialmente simbólicos, sussurrar, assobiar, mastigar, mordiscar, vomitar e arrotar” (Goffman, 1969). Uma empregada de mesa pode ser a imagem de serenidade quando atende os clientes e ser agressiva e barulhenta para lá das portas da cozinha do restaurante. Há provavelmente poucos clientes que aprovariam os restaurantes se pudessem ver tudo o que se passa nas cozinhas.

1. Partindo da metáfora teatral, constrói os seguintes conceitos da sociologia goffmaniana:
a) representação;
b) personagem;
c) actor;
d) cena;
e) máscara;
f) papel;
g) fachada;
h) cenário/palco;
i) bastidores.

2. Em Goffman abunda o espaço cénico, mas é menosprezado o tempo histórico das interacções:
  • Incorporando o espaço amplamente em sua reflexão teórica sobre as interações, o autor abre a possibilidade de questionarmos a abrangência teórica de sua abordagem. Suas concepções seriam aplicáveis apenas ao "nosso mundo urbano secular" (Goffman, [1956] 1967, p. 47)? Mas o que dizer dos dados etnográficos provindos de contextos sócio-históricos diferenciados, não apenas ocidentais? http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092008000300014
Aponta motivos para a Sociologia sentir necessidade de construir outros instrumentos conceptuais que expliquem os factos sociais.

3. No quotidiano, nas interacções de face-a-face, o nosso corpo desempenha um papel crucial na forma como nos relacionamos com os outros. Um palco com, importância especial para cuidarmos do corpo é o consultório.
  • Como «regulador» da interacção [na consulta médica] há conjuntos de regras sociais, ou rituais, que são seguidos pelos indivíduos e que por eles foram interiorizados, a maior parte das vezes sem terem disso consciência. E porque todos os indivíduos representam em diferentes palcos durante a sua vida, desempenhando em cada palco diferentes papéis, somos orientados por diferentes regras que nos dizem como devemos actuar conforme as diferentes situações sociais em que nos situamos, segundo o nosso género, idade, cultura, profissão, etc.
    Mas esta afirmação faz então prever que os actores que se encontram em palco «falam» a mesma linguagem, senão seria uma representação do absurdo, do nonsense, não se poderia chamar a esse encontro uma interacção.
    A consulta médica e as estratégias de negociação de um corpo saudável
Justifica porque se afirma que «gostar e ter confiança no seu médico equivale a meia cura».

Bibliografia
ELIAS, Norbet, (1999), Introdução à Sociologia, Edições 70, Lisboa.

GIDDENS, Anthony, (2000), Sociologia, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092008000300014

SAMPAIO, Maria Leonor, A consulta médica e as estratégias de negociação de um corpo saudável

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