01/03/2012

Papel social e Estatuto social em acção

  • Os alunos não estão “naturalmente” dispostos a fazer o papel de aluno. Dito de outra forma, para começar, a situação escolar é definida pelos alunos como uma situação, não de hostilidade, mas de resistência ao professor. Isto significa que eles não escutam e nem trabalham espontaneamente, eles se aborrecem ou fazem outra coisa. Lá, na primeira aula, os alunos me testaram, eles queriam saber o que eu valia. Começaram então a conversar, a rir (...) É extremamente cansativo dar aula já que é necessário a toda hora dar tarefas, seduzir, ameaçar, falar (...) Por exemplo, quando a gente fala “peguem os vossos cadernos”, são cinco minutos de bagunças porque eles vão deixar cair suas pastas, alguns terão esquecido seus cadernos, outros não terão lápis. Aprendi que para uma aula que dura uma hora, só se aproveitam uns vinte minutos, o resto do tempo serve para “botar ordem”, para dar orientações. (...) Talvez eu pudesse dizer que sentia dificuldade [em ensinar sem stress] porque meu status social (estatuto social) me permitia dizê-lo sem ter o sentimento de vergonha. Pode ser mais duro para um professor iniciante. (...) Mas numa sala de professores, nunca se fala disso, todo mundo parece ser um bom professor. Mesmo que a gente visse colegas chorando, ou outros que nunca vinham, que passavam pelo corredor.
    Entrevista a François Dubet, sociólogo francês
Os extractos transcritos da entrevista a François Dubet deixam claro que alunos e professores têm o seu ofício, interagindo representando os respectivos papéis sociais, que determinam os seus direitos, deveres, e funções.

  • (...) o bom aluno foi definido fundamentalmente como sendo portador em primeiro lugar de um conjunto de qualidades morais necessárias à vida escolar e secundariamente pelas suas qualidades intelectuais. São as qualidades morais, a atitude do aluno face ao trabalho escolar e aos professores que segundo estes determinam a sua adaptação escolar, num quadro de passividade e conformismo e são também elas que consequentemente facilitam ao professor o exercício da sua autoridade. Em contrapartida o mau aluno é definido pelo seu desinteresse escolar, inaptidão intelectuaI e indisciplina, qualidades que se oferecem como o reverso da medalha do bom aluno.
    Resumindo, «com boa vontade e muita atenção toda a criança se pode tornar um bom aluno».
    Mollo, S., (1979), A escola na sociedade, Edições 70, Lisboa.
Ao bom aluno corresponde o estatuto do social do bom, como ao mau corresponde o estatuto do mau. Isto é, de bons e maus alunos temos expectativas diferentes. O estatuto social determina modelos de comportamento, que indicam o que se pode esperar do individuo em cada situação (representando o seu papel) e da sociedade relativamente a ele (somos todos actores). Assim, a cada papel corresponde o respectivo estatuto, num jogo de codificação dos padrões de comportamento e de orientação das expectativas sociais que conferem previsibilidade às interacções sociais.

Pensando no conjunto da sociedade poderemos redefinir estatuto social como o conjunto de posições relativas a um indivíduo, correspondente à multiplicidade de papéis que desempenha. Podemos ser simultaneamente, homens, professores do ensino secundário, estudantes em regime de e-learning, filhos, parceiros, eleitores, sócios do Benfica, etc. Cada posição representa os seus níveis de prestígio e de poder, envolvendo compensações diferentes.

Os grupos privilegiados em termos de status incluem pessoas com grande prestígio na ordem social: bispos e juízes, por exemplo, na ordem social portuguesa. Os grupos sociais são conjuntos de indivíduos que interagem de modo sistemático uns com os outros. Podem ir de associações muito pequenas a organizações em grande escala ou sociedades. Independentemente do seu tamanho, uma das características de um grupo é a de os seus membros terem consciência de uma identidade comum. Grande parte da vida é passada em actividades de grupo; nas sociedades modernas, a maioria das pessoas pertence a diferentes e numerosos tipos de grupo (veja a Classificação de Georges GURVITCH).

Vivemos numa sociedade onde os recursos económicos, culturais, sociais e simbólicos se encontram inequitativamente distribuídos. Os atributos impostos ao indivíduo pela natureza definem o respectivo estatuto atribuído (homem, português, branco, etc.). A escola é o agente de socialização por excelência destinado aos inconformistas, que investindo no seu futuro, poderão ocupar posições melhor remuneradas. Para o exercício de uma profissão especializada será necessário adquirir uma preparação específica previamente. Ao desempenho desses papéis, consequência de sucessivas acções desenvolvidas pelos indivíduos corresponde o estatuto adquirido (professor, parceiro, etc.).

Os indivíduos adquirem durante a socialização primária a cultura do seu grupo social através da família. Os inconformistas tentarão socializar-se de forma autónoma em culturas socialmente mais valorizadas que as dos seus grupos de pertença. Encontram-se mobilizados para adquirir a cultura do grupo em que pretendem integrar-se, designado grupo de referência (vg., querer ser médico). O indivíduo que aspira a ser médico adoptará estilos de vida, padrões de linguagem e comportamentos caracterizadores do respectivo grupo de referência. Provavelmente os seus amigos não irão gostar que ele fale tão frequentemente de doenças e descreva a respectiva sintomatologia. Este processo de adopção dos padrões de comportamento de um grupo de referência designa-se socialização por antecipação. Atrás utilizou-se o termo auto-socialização com o mesmo significado, embora os sociólogos não gostem desta expressão, porque enfatiza o lado autónomo e individual dos processos de socialização.

Recursos


1. "Identificar o aluno com o aprendente é impedi-lo de pensar o papel que os adultos lhe atribuem e o modo como o estudante vive esse papel; é esquecer que o "ofício" de aluno é consignado às crianças e aos adolescentes como um ofício "estatutário", do mesmo modo que um adulto é mobilizado pelo Estado para se apresentar perante o júri, ou para ingressar no exército. Juridicamente, o trabalho escolar está mais próximo dos trabalhos forçados que de uma profissão livremente escolhida. Uma fracção dos alunos faz da necessidade virtude e realiza, sem dificuldade, o seu percurso escolar; outros resistem abertamente e desencadeiam a fúria dos que lhe "querem bem"; outros, ainda, fingem aderir às regras do jogo".
Philippe Perrenoud, Ofício de aluno e sentido do trabalho escolar

a) Confirma a tese do ofício "estatutário" de aluno consultando os artº 90º e 91º (p. 55) do Regulamento Interno. * Backup
b) Explica porque uma fracção dos jovens “fingem aderir às regras do jogo”, utilizando a metáfora do ofício e os conceitos sociológicos apropriados.
c) Identifica três grupos sociais no texto e classifica-os quanto ao conteúdo, amplitude e duração utilizando a classificação de GURVITCH.

2. No início da entrevista de François Dubet (primeiras 5 linhas) este sociólogo francês refere como motivo para ter experimentado ser professor, a sua desconfiança relativamente a “um tipo de encenação um pouco dramática” que os professores fazem do seu trabalho.
Comenta esta encenação utilizando conceitos sociológicos.

3. "No final das contas, achei que a descrição que os professores entrevistados faziam na pesquisa era bastante correcta. Realmente, a relação escolar é a priori desregulada. Cada vez que se entra na sala, é preciso reconstruir a relação: com este tipo de alunos, ela nunca se torna rotina. É cansativa, cada vez, é preciso lembrar as regras do jogo; cada vez, é preciso reinteressá-los, cada vez, é preciso ameaçar, cada vez, é preciso recompensar (...)"
Entrevista de François Dubet (pouco antes do meio)
Comenta a multiplicidade de papéis desempenhados por Dubet (investigador e professor) do ponto de vista:
a) do necessário distanciamento que a Sociologia exige ao investigador;
b) da necessidade que o investigador tem de compreensão da realidade para melhor a explicar.

4. "Talvez eu pudesse dizer que sentia dificuldade [em ensinar sem stress] porque meu status social me permitia dizê-lo sem ter o sentimento de vergonha. Pode ser mais duro para um professor iniciante".
Entrevista de François Dubet
Explicita o conceito de estatuto adquirido, comentando Dubet.

*5. O estatuto social codifica padrões de comportamento.
a) Indica cinco padrões de comportamento associados aos bons alunos, partindo da amostra do livro Ser Bom Aluno, ‘Bora Lá?
b) Indica cinco comportamentos esperados de um bom professor, utilizando os testemunhos recolhidos por FELOUZIS.

*6. Distingue as representações sociais do bom professor das expectativas do bom professor.

7. "(...) os professores mais eficientes são em geral aqueles que acreditam que os alunos podem progredir, aqueles que têm confiança nos alunos. Os mais eficientes são também professores que vêem os alunos como eles são e não como eles deveriam ser".
Final da Entrevista de François Dubet
Relacionando a argumentação de Dubet com a de Mollo, a socialização por antecipação será uma (1) decisão individual ou uma (2) resultante da interacção social? Justifica.

(*)NOTA: Esta questão é particularmente útil para explicitar melhor os objectivos do Trabalho Anual.

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