23/09/2011

Génese da Sociologia

Neste post começamos pelo enquadramento da disciplina desde a Revolução Francesa. Seguidamente destaca-se a importância do progresso tecnológico sobre a evolução do pensamento científico e acrescenta-se uma nota breve sobre o desenvolvimento da Sociologia em Portugal.
  • Da "Dupla Revolução" a Max Weber
Desde o início que a sociologia aparecia marcada por um forte pendor racionalizante e explicativo. As intenções latentes das teorias sociológicas de fornecerem uma interpretação à crise das mundividências provocada pela Revolução Francesa e pela Revolução Industrial tinham tido como consequência a associação da nova ciência à transposição das explicações «fortes» da física para o campo das ciências sociais. Quer Comte, quer Marx, estavam preocupados pelo estatuto científico do seu saber e isso significava trazer para a sociologia a dominação epistemológica das ciências da natureza, com destaque para a física e a biologia, numa mesma procura de compreensão racionalizante que permitisse fornecer leis sobre o funcionamento da sociedade. Com Comte, a sociologia liga os seus destinos filosóficos ao positivismo e mesmo Marx (aqui pela voz de Engels), não sendo positivista, não se afasta grandemente de uma aproximação à realidade dominada pela ciência experimental, logo, por uma aceitação da legibilidade da natureza pela ciência. A importância do paradigma positivista advinha não só de ser o coração racional da própria teoria filosófica e sociológica positivista, mas também de se encontrar presente nas atitudes epistemológicas de todo o saber do século XIX e transcender assim a filosofia que lhe dava o nome. Por isso, os efeitos da sua crise são muito mais vastos e não afectam apenas aqueles que a si próprios se intitulavam positivistas. É certo que, de todas as tradições teóricas europeias com importância, a filosofia e a sociologia alemãs tinham herdado uma problemática de algum modo diversa. O peso de Kant e Hegel, da filosofia idealista como escola, deslocara as questões para a margem do positivismo e, embora a problemática deste estivesse presente, havia suficiente terreno teórico para que não tivesse o peso e o modo que tinha, por exemplo, na tradição francesa. A obra de Weber encontrava-se assim num dos momentos típicos de mutação do saber: é, ao mesmo tempo, uma síntese monumental de toda a problemática sociológica do século XIX e a verificação das suas dificuldades e impasses. Como acontecera com Kant e a gnoseologia - parte da Filosofia que trata dos fundamentos do conhecimento -, Weber deseja fundar a sociologia com bases teóricas sólidas e acaba por se lhe deparar a existência nesse corpo de saber de uma situação contraditória que impedia o fecho do sistema especulativo. É nesta dificuldade que se encontra a crise do paradigma positivista e é ao tratá-lo que Weber atinge as questões que são as dos programas científicos do século XX. Isto não significa que a obra de Weber ocupe na história da sociologia o mesmo papel que a mecânica quântica na da física, mas sim que ela defrontou problemas de ordem epistemológica que eram do mesmo tipo: a emergência em teorias fortemente explicativas e racionalizantes do problema da irredutibilidade da natureza ao saber, ou seja, a emergência da irrazão. Neste sentido, a obra de Weber é mais importante, não porque substitua interpretações causais ou deterministas por outras indeterministas, ou apenas porque criticou o positivismo, mas porque todo o seu esforço vai para dominar a irrupção do irracional e integrá-lo num discurso que permita o saber sem completamente o conseguir.
  • A evolução técnica e o desenvolvimento na sociologia do trabalho
No campo da sociologia, abundam os indícios de uma mudança na forma como se estuda a relação entre os dispositivos técnicos e os actores sociais Tudo indica que alguns autores da sociologia tendem a afastar-se tanto do determinismo tecnológico, como do construtivismo social posterior através da tese da autonomia do factor técnico. Veremos como se desenrolou este processo na sociologia do trabalho. As transformações teóricas na sociologia do trabalho estão ligadas às três fases das mudanças nas técnicas de produção: a automatização de Taylor dos anos 50 e 60 está na base das teses deterministas técnicas; a informática nos anos 70 começa a apontar para o papel do social; com a burótica e o peso dos computadores pessoais, nos 80 e 90, as teses tendem a ser mais complexas colocando em causa a dicotomia técnico-social. Até aos anos 50/60, predomina a tese neo-marxista que defende que são as condições técnicas que determinam, em grande parte, as condições sociais. Inspira-se numa leitura de Karl Marx que sublinha esta sua afirmação: “adquirindo novas forças produtivas, os homens mudam o seu modo de produção, e mudando o seu modo de produção, a maneira de ganhar a sua vida, eles mudam todas as suas relações sociais. O moinho baseado na força humana dará origem à sociedade com um soberano; o moinho a vapor, à sociedade com o capitalista industrial” (Marx, 1965: 79). No entanto, não se pode afirmar que Marx seja tão determinista pois, mais à frente, na página 99, diz: “o moinho baseado na força humana supõe uma visão do trabalho diferente da do industrial” (1965: 99). No campo da sociologia do trabalho e das organizações são conhecidos os trabalhos de Friedmann (1968) e de Pierre Naville em que se analisa as situações de trabalho num contexto do modelo Taylorista-Fordista. Para Friedmann, a evolução tecnológica provoca uma modificação negativa da organização do trabalho introduzindo a parcelarização e a perda de autonomia do operário. No caso de Naville, a lógica de um certo determinismo tecnológico não é tão clara defendendo a tese de se está perante um processo de desqualificação contraditório e complexo em que a questão técnica é apenas um factor entre vários (Assegond, 2004: 172). A partir dos anos 60, abandona-se um certo determinismo tecnológico presente em Friedmann passando a estudar-se a “questão das relações entre a modernização e a automatização e o tema da qualificação e das políticas salariais” (Assegond, 2004: 172). A partir dos anos 80, com o surgimento da informatização, as temáticas passam a centrar-se na relação entre as novas tecnologias e as transformações do trabalho a partir de dois eixos (Costa e Neves, 1995). O primeiro eixo, apoiando-se nas dificuldades vividas pelas empresas nos processos de mudança tecnológica com a adaptação às novas técnicas e a reconversão do pessoal, sublinha as transformações nas qualificações e nas competências em que saberes-fazer tradicionais desaparecem numa lógica de ruptura e resistência. Uma outra abordagem tende a considerar os aspectos de co-existência referindo a importância da cultura profissional (Aussegond, 2004: 173). Finalmente, com os anos 90, assiste-se em França a uma renovação na área da sociologia do trabalho devido à influência dos estudos sociais da tecnologia e sociedade. Na verdade, havia, até recentemente, um alheamento da sociologia do trabalho em relação aos debates presentes noutras áreas, tais como os estudos da “Ciência, Tecnologia e Sociedade”, acerca do carácter social da técnica. Muitos autores “apreendiam ainda a técnica a partir da perspectiva da mudança e dos seus efeitos mais ou menos destrutivos nos sectores de actividades estudados” (Assegond, 2004: 171). Com estas novas abordagens, inspiradas quer na sociologia do actor em rede de Latour e Callon à volta da sociologia dos usos da técnica (Akrich, 1989), quer na sociologia pragmática de Boltanski e Thévenot (1991) um novo olhar emerge pela interpretação do quotidiano através da construção de regimes de justificação adequados às observações empíricas.
  • A Sociologia em Portugal
Afirmar que a sociologia portuguesa só começou verdadeiramente após a revolução de Abril de 1974 é quase um lugar comum. Mas uma tal afirmação deve ser convenientemente temperada, se quisermos ser fiéis à especificidade dos movimentos de longa duração da história da cultura portuguesa, assim como à complexidade dos processos sócio-políticos que precederam e se desencadearam com a reinstauração da democracia em Portugal. Em boa verdade, pode dizer-se que, desde o último quartel do século XIX, o campo intelectual português foi registando ecos relativamente nítidos do movimento de eclosão das ciências sociais nos países centrais. (…) Em 1962, no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, um discreto centro de estudos — o Gabinete de Investigações Sociais. Constituído inicialmente por um grupo de economistas com ligações ao movimento católico, o GIS alargar-se-á progressivamente a outras formações e, sob a direcção efectiva de Adérito Sedas Nunes, irá dar início à publicação da revista Análise Social, que depressa se tornou uma importante referência no campo intelectual português. Não admira que as primeiras reflexões de fôlego sobre a sociedade portuguesa, e nomeadamente as que se interrogam sobre as especificidades do nosso subdesenvolvimento, tragam marcas de algum envolvimento doutrinário dos seus autores. Na ausência de uma produção sociológica sistemática e contrastável em quadros institucionais especializados, era inevitável que certos princípios de orientação político-doutrinária se sobrepusessem, então, a objectivos analíticos característicos de campos científicos mais estruturados. Mesmo assim, datam de finais dos anos 60 alguns estudos de grande envergadura sobre a sociedade portuguesa, sendo de realçar, pela solidez da fundamentação teórica e metodológica utilizada, o conjunto de pesquisas realizadas no GIS sobre a estrutura social e sobre o sistema de ensino universitário no nosso país. A Sociologia constitui um domínio do saber que foi objecto de integração no currículo do ensino secundário em Portugal há relativamente pouco tempo. Anteriormente a 1974, praticamente nem sequer havia cursos de Sociologia no ensino superior. De facto, a análise da realidade social portuguesa só poderia ser incómoda, constituindo mesmo uma ameaça, para o regime ditatorial da época. Por isso, só a partir de 1974 é que se iniciou o primeiro curso superior de Sociologia e em 1978 surgiu a disciplina de Sociologia (como opção) no ensino secundário. Hoje, a visibilidade social da Sociologia, enquanto ciência e profissão, é muito maior. Criaram-se vários cursos de licenciatura nesta área, surgiram trabalhos de investigação (amplamente publicitados), nomeadamente sobre a sociedade portuguesa, e a inserção profissional dos sociólogos é muito diversificada, trabalhando, por exemplo, como técnicos, consultores e quadros superiores de empresas, de Autarquias e da Administração Central. A Sociologia, “tendo nascido das transformações que separaram a ordem social do Ocidente assente na industrialização dos modos de vida característicos das sociedades anteriores”, continua a ter como principal centro de interesse o mundo que resultou dessas transformações”, ou seja, o mundo contemporâneo. Ora, a complexidade das sociedades actuais – industrializadas, multiculturais e em permanente mudança – exige dos seus membros uma constante adaptação às transformações que ocorrem a todos os níveis – económico, social e cultural e, por outro lado, que sejam capazes de tomar decisões de uma forma autónoma e criativa. Num tempo em que aprendemos a desconfiar de grandes utopias, mas em que, simultaneamente, vamos sentindo os movimentos presos por conluios corporativos e consensos pragmáticos, quase sempre urdidos e outorgados em silêncio, pressente-se que muitos dos espaços em que os sociólogos actuam — nas autarquias, junto de estabelecimentos de ensino e de formação profissional, em algumas empresas, em projectos de desenvolvimento comunitário, no combate contra a pobreza, na reintegração de toxicodependentes, na reabilitação de habitats degradados, etc. — podem ser o lugar certo para o germinar de pequenas, mas mobilizadoras, utopias.

1. Justifique porque na sua fase inicial a Sociologia terá transposto para o seio esquemas de raciocínio característicos das ciências experimentais, designadamente, da física e da biologia.

2. Verifique que o aprofundamento do conceito de acção social de Weber, representa um esforço de inteligibilidade dos fenómenos sociais, baseado na racionalidade das condutas humanas.

3. Justifique o parcial fracasso de Weber observando que os indivíduos tomam em determinadas situações decisões contraditórias com os critérios de racionalidade anteriormente admitidos.

4. Justifique a emergência da sociologia pragmática na explicação dos fenómenos sociais em sociedades complexas, abertas e plurais.

5. Relacione as preocupações da sociologia do trabalho com o desenvolvimento tecnológico.

6. Comente a situação de as aulas de Sociologia não serem leccionadas por sociólogos. Que explicações terá este facto?

  • Referências
José Pacheco Pereira - http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1223553986O6jRE5kd1Bt30ZG8.pdf
José Pinheiro Neves - http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/6773
Fernando Madureira Pinto - http://www.scielo.oces.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0873-65292004000300002&lng=pt&nrm=iso
Programa de Sociologia - http://www.dgidc.min-edu.pt/data/ensinosecundario/Programas/sociologia_12.pdf
NOTA 1: Os documentos foram consultados na data de publicação deste post.

NOTA 2: Recentemento foi publicado o Primeiro inquérito às práticas profissionais dos licenciados em Sociologia, interessante para conhecer o percurso formativo e profissional dos sociólogos.

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