- “A disputa durará enquanto os homens e as mulheres não se reconhecerem como semelhantes, isto é, enquanto se perpetuar a feminilidade como tal”, escrevia Beauvoir. Entendendo “feminilidade” como uma construção, a teorização de Beauvoir é levada a cabo a partir da dupla edificação deste conceito dentro do paradigma patriarcal – o “feminino” como essência e o “feminino” como código de regras comportamentais. Antecipando-se aos movimentos feministas, Beauvoir ditaria ainda aquela que viria a ser uma das pedras de toque teóricas para os estudos feministas de raiz anglo-americana: a apropriação da palavra “género”, para significar a
construção social de uma diferença orientada em função da biologia, por
oposição a “sexo”, que designaria somente a componente biológica. É a partir da
frase já célebre de “O Segundo Sexo”: “On ne naît pas femme, on le devient” (“Não nascemos mulheres, tornamo-nos mulheres”), que teóricas feministas como Joan Scott, nos anos 80, irão reflectir sobre o estabelecimento da diferença entre “sexo” e género (“diferença sexual socialmente construída”), desafiando e questionando a noção de que a biologia é determinante para os papéis atribuídos às mulheres e de que existe uma “essência feminina”. Assim, dentro de um quadro conceptual feminista, a questão proposta por Beauvoir é crucial, visto denunciar o carácter eminentemente artificial da categoria “mulher”: um ser humano do sexo feminino “não nasce mulher”, antes “se torna
mulher”, através da aprendizagem e repetição de gestos, posturas e expressões
que lhe são transmitidos ao longo da vida.
Recortado de Blogue Feminista
Por outras palavras, A identidade feminina é algo construído socialmente a partir de parâmetros culturais, inclusive relacionados com uma determinada ideia de sexualidade reduzida ao papel de reprodução, que constitui a socialização do género.
- Portanto, a mulher passa a existir a partir do outro, que é o homem, o que por si só enseja uma ideia de complemento. Se há algo certo na afirmação de Beauvoir de que ninguém nasce e sim torna-se mulher, decorre de que mulher é um termo em processo, um devir, um construir de que não se pode dizer com acerto que tenha uma origem ou um
fim. Como uma prática discursiva contínua, o termo está aberto a intervenções e
a significações (Butler, 2003:58/59).
http://www.aps.pt/vicongresso/pdfs/708.pdf
Entre a comunidade cigana, a avaliar pelas afirmações de um seu representante, as atribuições da mulher serão indiscutíveis:
- "A cigana é preparada para o casamento. As ciganas aprendem a lavar, a coser, a passar a ferro, a fazer tudo. Ao contrário da sociedade maioritária em que a maioria delas nem sabem fritar um ovo. Até se vê mulheres a conduzir um automóvel e os maridos a conduzir carrinhos de bebé. As nossas são 100% femininas, 100% donas de casa." Diário de Notícias
Podemos observar algumas diferenças nas representações das identidades sociais de homens e mulheres partindo da entrevista que Jorge Rio Cardoso concedeu a um programa da TV para domésticas e reformados, promovendo o seu livro O Fim da Guerra dos Sexos. Eis as primeiras questões:
Ela- Porque é que os homens são tão piegas quando estão doentes?
Ele-Porque é que as mulheres vão as pares para a casa de banho?
Ela- Porque é que os homens só pensam em sexo?
Ele- Porque é que as mulheres são tão “sensíveis”?!
Ela- Porque é que os homens se esquecem sempre das datas importantes?
Ele- Porque é que as mulheres depois do casamento se desleixam?
NOTA: Efeito Coolidge (07:40) pode ser identificado para algumas espécies em laboratório. A frequência sexual de um hamster macho declina rapidamente quando ele dispõe de apenas uma fêmea: torna-se lento, pouco receptivo, e entediado. Porém, quando se introduz uma ou mais fêmeas, ele volta a apresentar um apetite reforçado (O Fim da Guerra dos Sexos, p. 96). Aproveita-se esta nota para observar o perigo de utilizar fenómenos biológicos para explicar fenómenos sociais. Naturalmente que esta transposição não seria aceite em Sociologia, que deve limitar-se a estudar os fenómenos sociais. Recorda-se que estamos perante representações sociais.
A origem do termo encontra-se associada a uma piada com o presidente americano Calvin Coolidge.
O tema da infidelidade conjugal não foi ainda, no nosso país, objecto de qualquer estudo de carácter científico. (...) Os resultados desta investigação confirmam, de uma maneira geral, a hipótese da dominância simbólica do género masculino já fundamentada em outros trabalhos.
Infidelidade Conjugal: Classe Social e Género
Já referimos noutros momentos que as raparigas conseguem mais frequentemente obter sucesso escolar. Observamos agora que os ganhos médios mensais dos trabalhadores femininos persistem abaixo masculinos.
Ganho médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem por sexo
Os países onde as mulheres têm um estatuto de maior paridade, também se observa um elevado desenvolvimento socioecónomico. É o caso da Suécia, Holanda, Dinamarca, Suiça e Finlândia, no topo do ranking do Índice de Iniquidade segundo o Género, do PNUD. http://hdr.undp.org/en/media/HDR_2011_EN_Table4.pdf
As mulheres portuguesas estão melhor que o país(!), pois Portugal têm uma melhor posição segundo este índice (19 em 2011) que pelo IDH (41 em 2011). Mesmo assim prevalece a associação das mulheres a certos sectores de actividade como o ensino e a saúde. Em determinadas situações da médica, e nos níveis mais baixos de ensino da professora, estes sectores parecem pertencer “naturalmente” à esfera feminina, porque os profissionais continuam a “cuidar” de alguém.
- A realidade social tradicional associa a noção de “cuidar” a conotações de serviços femininos, de vocação e de ocupação “natural” das mulheres, retirando, de algum modo, o sentido de profissionalismo, competência e autoridade, características ditas masculinas. A forma como os educadores de infância percepcionam a sua
profissão pode traduzir as imagens sociais circunscritas numa envolvência que
alguns autores denominam de “cultura do cuidar”(….)
Assim, a interpretação de “cuidar”, como gestos e carinhos implicando um contacto corporal, levanta alguns problemas na competência destes profissionais. Bento (1994) enuncia esta questão caracterizando a relação pedagógica como demasiado emotiva para poder possuir um carácter profissional. Neste sentido, o autor defende que a ligação entre docentes e discentes não deve assentar em pressupostos de profunda afectividade, que prejudicará a lógica da profissionalidade, e afectará a “relação de parceiros”, que presume a existência de regras e obrigações sociais e profissionais das duas partes.
http://www.aps.pt/vicongresso/pdfs/174.pdf
A sociedade portuguesa moderna tornou-se multicultural em resultado da imigração relativamente recente, que se verificou em Portugal, mais tarde que nos seus parceiros europeus. Estes abriram as portas à imigração no post-II Guerra Mundial, para o trabalho de reconstrução da Europa, nos gloriosos 30 anos dourados - 1945-1973, não sei porque é que dizem 30 ;) -, até ao primeiro choque petrolífero.
- O processo de descolonização, que causou a primeira grande vaga de imigração das antigas colónias para a metrópole, começou em Portugal mais de uma década depois das outras nações europeias com passado imperial. Como a independência das colónias portuguesas em África não pode ser separada da queda do regime autoritário de Salazar/Caetano, o primeiro número significativo de imigrantes chegou no ponto de viragem da história do Portugal moderno, quando a sociedade começou a viver uma mudança fundamental no campo político, social e demográfico. Além disso, em 1974, a maioria dos Estados de acolhimento europeus tinham já deixado de aceitar mais imigração laboral devido ao declínio das suas economias.
António Barreto
- No século XX, até à década de 60, Portugal foi um país de índole predominantemente migratória, onde os fluxos migratórios registavam um
saldo claramente negativo.
Com a revolução de 25 de Abril de 1974 e a independência dos actuais países africanos de língua portuguesa esta realidade alterou-se profundamente e, no início da década de 80, verificou-se um aumento exponencial e atípico do número de estrangeiros residentes em Portugal. Os anos 90 caracterizam-se pela consolidação e crescimento da população estrangeira residente, com destaque para as comunidades oriundas dos países africanos de expressão portuguesa e do Brasil.
No início do século XXI, novos fluxos do leste europeu assumiram um súbito e inesperado destaque, em especial no caso da Ucrânia, país que rapidamente se tornou numa das comunidades estrangeiras mais representativas. Em síntese, a primeira década do presente século caracteriza-se por um crescimento sustentado da comunidade estrangeira residente no país.
No final de 2010, a população estrangeira residente em Portugal totalizava 445.262 cidadãos, quantitativo que representa um decréscimo do stock da população residente de 1.97%, face ao ano precedente. Deste universo populacional, cerca de metade é oriundo de países de língua portuguesa (49,51%), destacando-se o Brasil (26,81%), Cabo Verde (9,88%), Angola (5,28%) e Guiné-Bissau (4,45%). As demais nacionalidades mais relevantes são a Ucrânia (11,12%) e a Roménia (8,27%). http://sefstat.sef.pt/Docs/Rifa_2010.pdf
Registe-se que a partir de 1995/97 o número de imigrantes terá ultrapassado o de emigrantes, transformando uma sociedade relativamente homogénea numa sociedade multicultural, onde em menos de 10 anos a população estrangeira chegou a 4% do total (António Barreto, p. 9).
Quando duas ou mais culturas diferentes, entrando em contacto contínuo, originam mudanças importantes em uma delas ou em ambas, fenómeno conhecido por aculturação. O etnocentrismo explicará por que razão inicialmente terão acreditado que os muçulmanos um dia deixariam de o ser, abdicando da sua etnicidade, isto é, trocando os elementos constitutivos da sua cultura pelos da cultura local, como quem troca de casaco. Naturalmente que esta assimilação completa da cultura portuguesa falhou:
- Os primeiros conceitos respectivos apostaram na assimilação — um segundo cálculo errado, como sabemos hoje. As sociedades dominantes partiram do pressuposto de que as diferenças culturais desapareceriam gradualmente de geração para geração.
Uma vez que as abordagens académicas europeias na década de 1970 (em certos
casos até à década de 1980) haviam sido muito influenciadas pelas ideias
laicas, o factor islâmico importado não estimulava muito interesse. Muitos académicos calculavam que os muçulmanos iriam viver a sua fé num nicho fora da vista pública (Nielsen, 1992) ou perdê-la (Kettani, 1996). Mas isto não aconteceu (...)
Novidades no terreno: muçulmanos na Europa e o caso português
Retomando o texto noutro ponto podemos conferir que a integração da comunidade muçulmana na sociedade portuguesa decorreu tranquilamente:
- Um dos factores que, de uma maneira positiva, criaram/providenciaram o silêncio (em contraste com a polémica) foi o potencial, a capacidade notável, que a classe média muçulmana em Portugal mostrou nos processos de integração. Esta elite de primeiros imigrantes possuía as capacidades intelectuais e sociais, bem como as relações diplomáticas, necessárias à construção de uma
infra-estrutura religiosa e cultural. Desde o início, os primeiros a
chegarem tomaram parte nas comissões dirigentes da comunidade islâmica,
enquanto, ao mesmo tempo, se integravam com êxito em profissões de alto nível e
faziam amigos íntimos entre a elite política portuguesa (ibidem).
- Refere algumas representações das identidades sociais que nos permitem distinguir os géneros.
- Explica porque é que o efeito Coolidge não pode ser transposto parra a sociedade humana.
- Relaciona o desenvolvimento económico e a globalização com os fenómenos migratórios.
- Refere problemas de integração dos migrantes (culturais e sociais)
Bebés que nasçam a partir de hoje na Alemanha podem ser registados com “sexo indefinido”
Índice de Iniquidade segundo o Género, do PNUD
Equidade de Género, vídeo da OCDE
Se as mulheres cantassem os homens
Recursos no Arquivo: Representações da Mulher
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